instituto projetos ambientais, em revista

E n t r e v i s t a: Prof. Dr. Carlos Roberto Espindola - autor do livro 'Retrospectiva crítica sobre a Pedologia' fala sobre a publicação



Autor do livro Retrospectiva crítica sobre a Pedologia - Um repasse bibliográfico - O professor e pesquisador Dr. Carlos Roberto Espindola - Engenheiro Agrônomo pela ESALQ/USP, Pós-Doutor pela 0ffice de La Recherche Scientifique Et Technique 0utre Mer ORSTOM - França, Livre docente pela Unesp, e, atualmente, Assessor do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza e com atuação na Pós-Graduação do Curso de Geografia da Unicamp, é uma das grandes autoridades brasileiras em Qualidade de Solos Agrícolas. Após o lançamento do tão esperado "Retrospectiva crítica sobre a Pedologia" em 12 de Março de 2009 na cidade de Campinas-SP, com menção honrosa do Prof. Emérito José Pereira de Queiroz Neto da USP, o livro foi noticiado na coluna da Mônica Bergamo da Folha de São Paulo (13/03/2009) e é uma leitura fundamental a professores e pesquisadores na área de solos. O Prof. Espindola, nos dá a honra de uma entrevista especial para o blog Projetos Ambientais, postada(com a liberdade) em nome de seus alunos da Geografia e todos os ex-alunos da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, não só pela oportunidade sólida do aprendizado ilimitado sobre a pedologia, solos e meio ambiente, mas sobretudo pelo educador humano, professor desafiador à leitura científica, incentivador perspicaz a novos projetos e homem humano diante das dificuldades inerentes ao processo de convivência e aprendizado natural a qualquer aluno; neste caso, 'discípulos'. Para adquirir o livro: vendas@editora.unicamp.br ou clique sobre o título da postagem.

O livro e maiores informes, também podem ser obtidos diretamente com o Prof. Dr. Espindola: carlosespindola@uol.com.br

A entrevista foi realizada via internet e apresentada pelo Prof. Dr. Carlos Roberto Espindola em 10 de Abril de 2009.


E N T R E V I S T A . . . . . . . . . . . .

Projetos ambientais: "Retrospectiva crítica sobre a Pedologia", o que significa o resultado apresentado neste livro?
Prof. Espindola: Muitos anos arquivando conhecimentos sobre o assunto, com o intuito de repassá-los para os que militam na área de Solos.

Projetos ambientais: É uma leitura acessível a leigos nessa temática? Como podemos compreender o significado de 'Pedologia'?
Prof. Espindola: Muitos leigos poderão compreender diversos aspectos tratados no livro, embora possam achar cansativo quando aborda dados históricos da Pedologia, que ganhou essa denominação derivada do latim, significando Ciência do Solo (pedon=solo). Ela trata do estudo sistematizado do solo principalmente no que concerne a sua origem, desenvolvimento, descrição no campo e laboratório, classificações e distribuição geográfica. É básica para o estudo da fertilidade do solo, adubação e nutrição de plantas, irrigação e drenagem, aplicação de resíduos, conservação e planejamento agrícola. Atualmente tem tido grande incremento com possíveis soluções para os problemas ambientais.

Projetos ambientais: Qual foi a partida para a elaboração do livro? Fale-nos um pouco da sua história.
Prof. Espindola: Há uns bons anos (1982) surgiu a intenção de se produzir um livro de "Gênese, Morfologia e Classificação se Solos" pela Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, quando esta era ainda sediada em Campinas. Após diversos entendimentos com os possíveis autores de capítulos, fiquei encarregado de preparar 3 (três) deles. Foi do capítulo introdutório, que escrevi por inteiro (o livro nunca chegou a ser concluído) que, anos depois, veio-me a inspiração para fazer o livro, ampliando bastante o antigo conteúdo. Nesse sentido, muito da trajetória contida no livro acompanha a minha própria trajetória na vida acadêmica, as dificuldades encontradas e as experiências acumuladas.

Projetos ambientais: O resultado do livro "Retrospectiva crítica sobre a Pedologia", na essência da sua compreensão, contesta a bibliografia convencional no tema 'solos'? Pode nos explicar?
Prof. Espindola: Não. Não há propriamente contestações, mas críticas julgadas de boas intenções em relação a certos aspectos que ficam a desejar numa ciência tão nobre como a Pedologia, que merecem ser revistos e rediscutidos pela comunidade envolvida no assunto. Algumas dessas críticas eu já as fizera em outros momentos, quer em palestras, como em cursos e eventos científicos, mas sem atingir os objetivos, talvez por serem julgados de pouca relevância. Quem sabe na forma de livro, também com o "crivo" dos alunos, normalmente muito poucos nos eventos com grandes platéias, possa ser dada alguma importância aos mencionados aspectos.

Projetos ambientais: Especialmente para pesquisadores, qual o ponto chave a ser revisto no que concerne a caracterização, avaliação e planejamentos experimentais em solos tropicais diante da bibliografia convencional?
Prof. Espindola: Para os pesquisadores consagrados ou experientes, não vejo grandes "revisões", conforme termo usado pelo entrevistador; se algo houver, nesse sentido, acredito que possa ser feito no campo da classificação taxonômica, desde que aceitas as ponderações por mim utilizadas. Para os recém-pesquisadores, como os pós-graduandos, vejo, sim, grandes possibilidades de ampliação no conhecimento da bibliografia envolvida, dado o vasto número de autorias mencionadas no texto. Daí o subtítulo -"um repasse bibliográfico", contendo uma ambiguidade, já que o repasse pode ser tomado em duplo sentido: repassar a bibliografia pode dar idéia de levantar tudo o que existe sobre algo, e, ao mesmo tempo de passar para a frente esse universo.

Projetos ambientais: Qual sua expectativa quanto a agregar o conteúdo do livro na dimensão de ENSINO em escolas com disciplinas sobre solos?
Prof. Espindola: É o meu maior sonho, na condição de professor que fui a vida inteira. O trabalho com o aluno é tão estimulante e exige tanto de nós, que precisei aposentar-me para ter tempo de colocar no papel (ou no computador) todo o "acervo" considerado pertinente.


Projetos ambientais: Na sua visão pós escrita e lançamento do livro, como transmite 'a produção de novos conhecimentos' sobre solos, dentro da realidade geográfica brasileira?
Prof. Espindola: Acredito que isso já seja feito de maneira adequada nas diversas regiões fisiográficas brasileiras, posto que temos excelentes professores distribuídos pelo País, além de muito mais facilidades de busca de conhecimentos do que há alguns anos. Muitas teses e artigos científicos ficam disponibilizados pela Internet, senão as próprias bibliotecas, facilitando o acesso a publicações diversas. Isso garante, ou, pelo menos, facilita muito o que está contido na pergunta "a produção de novos conhecimentos". Espero ter respondido realmente o que a questão propunha.

Projetos ambientais: O que foi desenvolvido dentro da perspectiva convencional, na produção de ciência em solos, confronta em que realidade com o atual "Retrospectiva crítica sobre a Pedologia" de sua autoria?
Prof. Espindola: Confronto, propriamente dito, é um termo muito forte, podendo sugerir uma resposta pretensiosa, que eu gostaria de abrandar. Um desses aspectos em que empreguei bastante ênfase foi na questão do conceito de certas camadas genéticas do perfil do solo - os horizontes. Outro foi o conceito atribuído a grau de desenvolvimento de um solo, que pode levar um solo bem desenvolvido, sob meu ponto de vista, a ser considerado um solo pouco desenvolvido (um Neossolo).

Projetos ambientais: Numa visão pedagógica e como um dos titulares na reestruturação do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Engenharia Agrícola da Unicamp, o que muda em conceito e aplicação, diante da transformação de um 'Departamento de Água e Solo' para uma "Área de concentração em Água e Solo" (como exemplo a estrutura departamental)?
Prof. Espindola: O Departamento tem uma finalidade organizacional, procurando reunir pessoas em torno de áreas de conhecimento compatíveis, com o objetivo de facilitar procedimentos administrativos. São inúmeros os casos, em várias instituições, em que essa reunião em áreas acaba não funcionando muito bem, pois estão aí envolvidas personalidades muito distintas, procedimentos variados, simpatias, antipatias etc. Na realidade, isso tem grande peso, o que quer dizer que nem sempre uma restruturação vista por alguém de fora resulte em grande sucesso. Mas uma "área de concentração" pode ser constituída por pessoas de departamentos distintos, dependendo do seu grau de abrangência de conteúdos. "Solos", por exemplo, é muito importante para práticas de manejo, em geral, ou para irrigação, em particular. Diagnosticar uma compactação é tão importante para uma área de Água e Solo, como para Mecanização Agrícola.

Projetos ambientais: Tendo como exemplo o ensino e produção científica em 'solos', por que caminho podem avançar centros emergentes diante das escolas clássicas e de excelência do Brasil? Por que as escolas particulares e emergentes são tão resistentes a pesquisa de qualidade?
Prof. Espindola: Creio que o problema central é o envolvimento com a pesquisa, que faz avançar o ensino e a produção científica mencionados na pergunta. As chamadas escolas clássicas contratam profissionais com dedicação intensa às atividades afetas, ou seja, com muitas horas de trabalho semanais, senão integralmente, e até com dedicação exclusiva. Se isso não ocorrer, não se pode esperar muito com relação a pesquisas de qualidade. O mesmo raciocínio vale para os consagrados institutos de pesquisa, como o Instituto Agronômico, ou o Biológico, ou o Florestal etc.


Projetos ambientais: O senhor acredita que os pesquisadores convencionais irão rever suas tendências nas linhas de pesquisa sobre 'solos'?
Prof. Espindola: Parece-me que "pesquisadores convencionais", aqui, estão sendo considerados os antigos. É isso? Procurei mencionar todos esses antigos que ajudaram a escrever a nossa história em Pedologia. Muitos já estão totalmente afastados dessas preocupações; outros, acho que dificilmente irão querer mudar seus pontos de vista e, muito menos, suas linhas de pesquisa, conforme a pergunta enseja. Agora, existem também pesquisadores convencionais jovens, incluindo professores, que são, no meu modo de ver, os mais propensos à reconsideração de certos conceitos, mas isso não chega a atingir o que está sendo colocado como "linhas de pesquisa". O livro não tem, por certo, esse poder nem essa finalidade. Ele não passa, afinal, de "um repasse bibliográfico". Diga-se, de passagem, que gosto mais do subtítulo do que do título.

Projetos ambientais: Gostaria de deixar uma mensagem para novos pesquisadores em solos tropicais?
Prof. Espindola: Vamos colocar aqui como "novos pesquisadores" os pesquisadores propriamente ditos (de instituições de pesquisa), que estão começando suas funções, mas também os novos professores e alunos de pós-graduação. A esses, seria interessante a idéia do emprego de uma linguagem mais facilmente assimilável do que a que tem sido usada quando a pesquisa é dirigida a um público pouco familiarizado com a Pedologia. Os solos tropicais já trazem, de per si, muita complexidade e, em prol de uma melhor comprensão, isso deve ser atenuado; nesse processo, a linguagem é de fundamental importância. Um levantamento pedológico, por exemplo, em geral é feito com uma finalidade específica (planejamento agrícola, restrições ao uso de certas áreas etc). O mapa ou carta de solos deve ser acompanhado de um texto cuja linguagem seja a mais comprensível possível, de forma interpretativa. Um nome como Latossolo já, por si só, pode causar incômodos a certos usuários. A mensagem a deixar, como suscitado na pergunta, se necessária for, é a de que os nossos solos tropicais sejam tratados pelos novos pesquisadores com muito carinho e respeito, pois muitos deles advém de uma longa e penosa história, de escala geológica do tempo, já tendo passado por inúmeras vicissitudes. E mesmo os solos mais jovens não ficam livres das tentações devastadoras do único ser animal que povoa o Planeta e é capaz de prejudicá-lo pensando apenas no seu próprio proveito - o Homem.

PLANEJAMENTO E GESTÃO DO TERRITÓRIO: um pouco sobre o urbano e a água




As fotos desta postagem são, antes de qualquer coisa, uma homenagem a São Paulo - são imagens muito didáticas na compreensão do espaço e neste caso, dessa metrópole intrigante (croquis que naturalmente devem ser estudados em escolas de engenharia e arquitetura, na apreensão do 'espaço', leitura do ambiente) - na primeira imagem os quatro tipos básicos de macrorregiões da cidade de São Paulo (1-centro expandido consolidado; 2-área adjacente a 1 em processo de consolidação; 3-uma terceira área adjacente a segunda, constituída em geral por bairros periféricos em desenvolvimento e; 4-uma quarta região constituída por áreas de ocupação rarefeita ou não, que devem ter preservação ambiental) e; na segunda imagem a matriz histórica radiocêntrica dos caminhos regionais, formadora da estrutura macro da grande São Paulo (Fonte: Campos Filho, 2003).

A grande área temática Planejamento e Gestão do território é estudada e tida como referência em ensino, pesquisa, e ciência continuada, ainda, infelizmente, em poucas Universidades brasileiras - com a profundidade inerente à necessidade.
Basta analisar o que os núcleos e pares de pesquisadores conseguiram 'pensar'. Ainda, algumas escolas o fazem com aplicação imediata à compreensão dos postulados primitivos do urbanismo em si e per si (modelo racionalista). E nisto, gostaria de citar um breve relato capturado no III Congresso de Engenharia, Território e Meio Ambiente, realizado em Zaragoza na Espanha, onde Ordoñez, J. L. (2006) discute sobre o que considera Los Bordes de La Ciudad; refletindo sobre a fragmentação do território urbano atual. Durante muito tempo o zonemento significou um princípio teórico e prático de compreensão e planejamento da cidade – delimitação de núcleos, zonas, ordenanças – e no último quarto de século, essa análise morfológica dos tecidos urbanos, enriqueceu extraordinariamente o ‘simplismo funcionalista’, mostrando a riqueza e complexidade das formas urbanas. Sobretudo se pensado o 'ambiental' em conjunto. Um dos maiores desafios deste novo século.

Pode ser ainda mais complexo, quando se associa, "a nova e velha" referência de área para a gestão dos recursos hídricos - a Bacia Hidrográfica. Isso é uma exigência ainda mais sistêmica, de dar forma e conteúdo, ao existencial urbano numa outra dimensão, mais ecológica e menos (não) imediatista. Assim pois, tratar, o 'ambiental' como patrimônio, que na verdade o é. Patrimônio - essa bela e antiga palavra, interpretada por Choay, estava, na origem, ligada às estruturas familiares, econômicas e jurídicas de uma sociedade estável, enraizada no tempo e no espaço. Por outro lado, o densenraizamento do tempo orgânico e do espaço sensorial, geram uma forma indiscriminada de culto ao patrimônio, que elimina diferenças e heterogeneidade - opção por um destino antropológico (...). Que implica em liberdade como única forma de relação com o tempo e o espaço, exigindo cada vez mais, pedagogias especiais que, além do bom senso, se inscrevam em tradições urbanas e comportamentos patrimoniais. O patrimônio histórico de Choay (em 'Alegoria do patrimônio') apresenta uma sociedade errante, constantemente transformada pela mobilidade e ubiquidade de seu presente, remetendo o termo 'patrimônio' como palavra-chave da tribo midiática. Ela remete a uma instituição e mentalidade. O culto que se rende ao patrimônio requer um questionamento, porque se constitui num elemento revelador, negligenciado mas brilhante, de uma condição da sociedade e das questões que ela encerra.

Neste caso, o patrimônio ambiental, 'diferente' do patrimônio histórico (que se relaciona com os momumentos, arte), pela contextualização teórica; pode em algum, ou em vários momentos, ter conotação semelhante - ou sobreposta de valores (no sentido ético), especialmente diante da urgência de uma mudança de orientação que possa reverter o desenrolar da indiscriminalidade e acelarada especulação com os 'bens patrimoniais'. Buscando-se assim, uma referência em se ter o 'rio' como objeto patrimonial do cenário - também urbano, já que as cidades se relacionam com a paisagem ambiental e hídrica, mas inserido num espaço-território além das fronteiras do município. Portanto, um patrimônio, ainda mais próprio de ser apartado desta condição de se mediatizar a relação dos homens com as coisas.

Os estudos que desenvolvemos estão tematizados na Gestão de Recursos Hídricos e no Planejamento Ambiental, especialmente a partir da compreensão de células municipais (respostas do projeto de doutoramento - início em 1998 com orientação do Prof. Dr. José Euclides Stipp Paterniani) e na contextualização com o gerenciamento ambiental (que na visão de pesquisadores contemporâneos, permeia o urbano). Naturalmente, o 'urbano' está intrinsecamente atrelado a formas de conteúdo próprias, e a proposições que relacionam a máquina industrial e os elementos do campo, a um sentido de gestão que é 'orientado' por este próprio urbano. Assim, apreende-se uma relação das cidades com o patrimônio ambiental, também. E, por sua vez, os municípios ou estruturas urbano-populacionais situam-se nas Bacias Hidrgráficas - espaço que norteia a cobrança pelo uso da água no Brasil, conjuntamente à aplicação dos seis mecanismos tidos para orperacionalização da 'Política Nacional de Recursos Hídricos' segundo a Lei 9.433/97.

O uso das imagens de São Paulo - grande referência de metropóle para o Brasil (e também no cenário mundial), em muitos casos sequer é discutida/esgotada em reflexões nas escolas de arquitetura e engenharia, como problema e tendência mundial, ao conjunto de referências para a análise dos efeitos da dimensão humana sobre questões ambientais - sentido mais ecológico para a engenharia e arquitetura.
O que quer dizer, trabalhar efeitos de bordas de cidades em reais escalas de aplicações sobre os recursos naturais, especialmente na interpretação de impactos sobre a água. E como as articulações políticas poderão refrear (ou não) efeitos impactantes, diminução dos fuxos naturais de água e alterações no espaço nativo. Ou ainda mais grave, a possibilidade (previsível) de repassar os custos da conta ambiental para o futuro, já que traduzir valoração para o recurso 'água' é também uma forma punitiva no controle do desperdício (dentro do discurso legal - e o é de fato), mas limitante para diversas situações de usuários e para um país com tantas desigualdades sociais (com um % razoável da população sem condições de arcar com esse custo). Tratar as cidades na dimensão de Bacias Hidrográficas - e os usos dos espaços nestas bacias, trazem uma tônica para a discussão sobre os recursos hídricos e linhas de pesquisas nesse sentido, que irão se suplementar com os textos legais e mecanismos adotados pelo Brasil (e em implementação).
A Engenharia (e suas facetas) continua na linha do urbanismo técnico-setorial e sanitarista, ou ainda, num modelo de 'engenharia da cultura' e a arquitetura tem se transformado numa ciência plástica e funcional (logo restrita a visão do econômico-globalizado)- ao que se refere em relação ao meio ambiente natural. Possivelmente a geografia se aproxime mais dessa complexidade que se faz real em torno da questão ambiental, e do recurso 'água' - devendo o sentido 'híbrido' do conhecimento ser necessário à compreensão das complexidades ambientais e urbanas. O que significa responder sobre a introdução maçica da máquina nos agrupamentos urbanos, através de modelos estabelecidos aprioristicamente que ora privilegiam o rendimento, ora a tradição, ora a reintegração da cidade ao campo. Utopias que levarama a sucessivos fracassos, mas que continuam a ser usadas.

A verdade é que, no Brasil, ainda mesmo no local, não se consegue desenvolver planejamentos ambientais, como base para o ordenamento do espaço e suas complexas formas de tratamento técnico e científico. Nisto as escolas precisam começar ou aprofundar seu pensamento produtivo em construção do conhecimento. Possivelmente um caminho para a pesquisa aplicada ser (mais) reconhecida. É indiscutível que a Lei 10.257/01 foi uma conquista e preconiza cidades mais justas. Também é inegável, a dificuldade de apreensão do 'Estatudo das Cidades' para fins de análise, planejamento e gestão por cidades de médio e grande porte.

1. O Planejador e o Planejamento

O Planejador é um analista do meio que deve apresentar e dar consultas, sempre que necessário, aos tomadores de decisão (indo assim ao processo de Gestão). Embora grande parte do Planejamento seja baseado em fases técnicas, as decisões a serem tomadas dependem daqueles que sofrem ou deverão sofrer as alternativas propostas, dos gerenciadores locais e de todos aqueles que se preocupam com os destinos da região. Portanto, é necessária a participação da comunidade para que seja um processo válido. Usa-se como referência o trabalho denso de Santos (2004).

Alguns planejamentos são reunidos pelo adjetivo que indica a abrangência espacial. Têm-se aqueles de inclusão local, relacionados a uma área pontual; os de bacia hidrográfica; os municipais e estaduais, de limites territoriais legais, ou os regionais que abrangem uma área que pode ser limitada por municípios, bacias (trechos delas) ou paisagens comuns. Alguns ainda são sub-divididos em micro-regionais ou macro-regionais. Diferentes escalas de trabalho são utilizadas para tratar diferentes níveis de abrangência territorial.

Existem também Planejamentos voltados a um determinado projeto ou atividade, a setores – neste caso, podendo envolver várias atividades ou integrando diversas áreas de trabalho. São chamados planos setoriais ou planos de áreas integradas. As abrangências - espacial e operacional, diferem no enfoque; a primeira enfatiza o território e a segunda, a ação.

2. Do Planejamento a Gestão: os Municípios e Bacias Hidrográficas como áreas de estudo e pesquisa: a transversalidade das políticas públicas

Destaca-se a questão das cidades e o debate que circundou a elaboração da Política Nacional de Habitação no Brasil, ao longo do ano de 2004, tendo como partida a criação do Ministério das Cidades ocorrida no ano anterior. A Política Nacional de Habitação (PNH) como cita Souza, Denaldi e Santa Rosa (2008), é regida pelos princípios do direito à moradia (CF/88), da moradia digna como vetor de inclusão social, da função social da propriedade urbana, da gestão democrática com participação dos diferentes segmentos sociais e, da articulação das ações de habitação à política urbana de modo integrado às demais políticas sociais e ambientais. A PNH tem como principal objetivo promover as condições de acesso à moradia digna para todos, especialmente para os segmentos e baixa renda, historicamente excluídos, com os quais há uma enorme dívida a ser resgatada.

Soma-se a esse cenário de 'cidades' um cenário macro tido pela Bacia Hidrogeoplítica, como espaço para elaboração dos Planos de Bacias Hidrográficas, criação dos Comitês de Bacias Hidrográficas, Agências de Águas e o infinito processo que se arrastará por meio da implementação da Política Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos. Em contraste entre 'crescimento e aceleração da crise', que toma corpo na dinâmica da construção civil. Trata-se de um setor que atenua a crise, como se percebe em medidas econômicas.


3. Questões geográficas do espaço

Estudos sobre metrópoles combinam-se na integração ao sentido de compreensão da questão ambiental, avaliada pelo bio-indicador ‘água’ ou por outra denominação ‘recursos hídricos’. A explosão e nascedouro de novos centros e regiões reforçadas pela caracterização de ‘metrópoles’ é extremamente bem descrita por Maricato (2006) (2001) e estudos desse autor, traduzindo que a representação ideológica das cidades no Brasil tem insistido na construção de uma imagem hegemônica calcada nos espaços conferidores de distinção e fortemente influenciados por símbolos internacionais. Ela, essa representação, acaba por ocultar os mencionados espaços ilegais e segregados. Fortemente associados aos expedientes de valorização imobiliária. Um universo gigantesco e desconhecido traduz-se na produção de favelas. De acordo com Maricato (2006) houve um crescimento preocupante da população brasileira moradora em favelas; isso em uma década (1981-1990) com dados ‘questionados’ numa estimativa de até 70%. A marca de ilegalidade e a consequente ausência de direitos e total controle sobre o uso e ocupação do solo é que vão determinar grande parte do estigma que acompanha as áreas ocupadas por favelas. Desenha-se um processo complexo de ‘exclusão’. O solo parece constituir a base para uma vida ilegal esquecida pelos direitos e benefícios urbanos. Outra conseqüência grave que decorre do crescimento de favelas diz respeito ao meio ambiente. A localização das favelas se dá mais frequentemente em áreas ambientalmente frágeis: beira de córregos, fundos de vales inundáveis, áreas de mangues, encostas íngremes, áreas de proteção ambiental, entre outras. Maricato(2006) e textos mostram que há uma aparentemente estranha coincidência entre a localização das favelas e os recursos hídricos.
Cabem, assim, neste universo, as reflexões de Santos (2002) envolvendo a globalização e a geografia, mostrando claramente que questões de natureza espacial terão de ocupar o interesse dos que preparam projetos e dos constituintes de fato e de direito. Santos (2002) discute ainda que o problema metropolitano esteja exigindo urgentemente novas formas de regulação, poderes públicos mais próximos dos cidadãos, sem, todavia, deixar que este seja esmagado por interesses localistas ou manipulações de grupos municipais.

Fazendo um contraponto, em aproximação, à linguagem de Vaneigem (2002), não tão simples: cada ser «orgânico» é assumido como uma nova fonte de alimentar empregos e atrelada à bandeira da viabilidade econômica, que por outro lado, contesta a relevância e rejeição de uma produção (que deve ser regida pelo valor da mudança), pois a população cresce, e gera resíduos de forma ‘natural ‘ e mecanicamente inevitáveis. Mostra um olhar diferente, onde o mundo não pára (a idéia de dinâmica nos tecidos urbanos), mas a sua economia planejada para projetar maneiras de permitir sobrevivência e convivência para eliminar a dor e diminuindo a articulação do senso criativo.

4. Projeções e considerações

Uma abordagem tecida pela citação em alguns pontos de grandes cidades, é tida propositalmente, de forma a se pensar no delineamento urbano e sua compreensão com vistas ao crescimento e ocupação de novas áreas.

Traduzir a compreensão de que o administador público não é um empresário, que ostenta a bandeira de trazer investimentos para o Município e estímula o crescimento em qualquer dimensão; essa é a idéia de que só Estado como representante da ordem pode estabelecer critério para o caos; sentido do poder político e da leitura 'orgânica' dos planos diretores.
Assim perpetua-se a triste questão de agrupamentos municipais para interesses direcionados, ou a legalização do caos. Esse caminho provavelmente será contrário a boa gestão de águas. Naturalmente pela ausência de um processo de planejamento ambiental (trantando este tema como ciência). Vale a pena associar a (s) entrevista de Raquel Rolnik quando foi empossada na relatoria especial para direito à moradia na ONU.

Parte dos agravantes ambientais, explica-se pelo próprio processo pedagógico de educação e formação profissional - dicotomizado do tema ambiental e de águas, mesmo nas escolas de formação ambiental. Currículos mal elaborados, distantes da realidade território-meio ambiente-água, e quando não isso, uma execução curricular pedagógica fraca, sem conceitos. Assunto para outra pauta.

As cidades tornam-se no Brasil território de segregação levando excluídos do processo de moradia a ocupação de áreas ambientais. Naturalmente, uma lei de águas ou tratar a água como bem finito e dotado de valor econômico, poder ser mais uma excludência, além da habitação, indo quase a de propriamente existir. O que quer dizer que mais uma conta - a da cobrança pela água será rateada entre uma classe média (em extinção), achatada em meio a tantos impostos e relutando ao sentido singular do 'sobreviver'. Naturalmente água e território ainda será pauta de longas discussões. Começar a compreender e participar do processo poderá ajudar aqueles que prestimam descendentes.

Um ponto temático chave que se espera combinar aos (nossos) estudos são os elementos de demografia e partindo de cenários atuais e reais para a projeção de cenários futuros, com diretrizes integradas em estudos e pesquisas para melhoria da qualidade na organização do espaço-paisagem e uso sustentável dos recursos hídricos.

Contrapondo o que a socióloga Saskia Sassen conceitua como ‘cidade global’. 'Grandes cidades' e a globalização como ponto de segregação humana e ambiental. O trabalho sobre readequação em função da meta sócio-ambiental e redistribuição espacial da população pela relação com os recursos hídricos (Carmo, 2001), somam-se às importantes abordagens tecidas ao redor do conceito de cidade-região e as menções de Klink (2001).

Ab’Sáber (2009) referenda uma proposição conclusiva para esta discussão, com suas indicações, estudos, legado: Projetar o espaço construído só é possível com o entendimento do espaço natural. E essa questão é absolutamente intrínseca ao trabalho atual dos planejadores. Ao entender o que acontece no espaço natural é possível projetar o futuro e medir suas conseqüências - afinal, é no futuro que existe a obra construída, assim como o impacto causado na cidade e em seus habitantes.

AGRADECIMENTO: A SARA JUAREZ SALES, pelas sugestões de textos.

Nota: Este texto é constitíudo de trechos do último projeto elaborado pelo Prof. Rogério Stacciarini "CONSTRUÇÃO DE MODELOS EM PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO: SINERGIA ENTRE URBANO, BACIAS HIDROGRÁFICAS e POLÍTICAS PÚBLICAS". Integram as suas reflexões atuais sobre paradigmas ambientais e são leituras imprescindíveis: Milton Santos, Aziz Ab' Sáber, Rozely Ferreira dos Santos, Daniel J. Hogan, Roberto Luiz Carmo,Erminia Maricato, Raquel Rolnik, Rosana Denaldi.

Leitura Sugerida:

Campos Filho, C. M. Cidades Brasileiras: seu controle ou o caos – o que os cidadãos devem fazer para a humanização das cidades no Brasil. São Paulo-SP: Studio Nobel, 2001.

Choay, F. Alegoria do Patrimônio.

Klink, J. J. A cidade-região: regionalismo e reestruturação no Grande ABC Paulista. Rio de Janeiro-RJ: DP&A, 2001.

Lima, R. C.; Amuí Jr., M. A.; Stacciarini, R. Paradigmas e proposição de políticas públicas em gestão ambiental do Município de Uberaba-MG. In: Anais III Congresso de Engenharia Civil, Território e Meio Ambiente – Água, Biodiversidade e Engenharia, Zaragoza, 2006. p. 246

Maricato, E. Metrópoles Brasileiras. São Paulo-SP: Instituto Goethe, 2006.

Merino, M. En busca de la Democracia Municipal: La Participación ciudadana en el gobierno local. México: Colégio del Mexico, 1994.

Rolnik, R. O que é cidade? São Paulo-SP: Brasiliense, 2004.

Rolnik, R. Folha de São Paulo. São Paulo-SP: Entrevista de 30/06/2008.

Santos, M. Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo. São Paulo-SP: Ed. Nobel, 1990.

Santos, R. F. Planejamento Ambiental: teoria e prática. São Paulo-SP: Oficina de Textos, 2004.

Souza, C. V; Denaldi, R.; Santa Rosa, J. Acesso ao solo urbano: limites e possibilidades. Acesso à terra urbanizada implementação de planos diretores e regularização fundiária plena. Florianópolis-SC: UFSC, Ministério das Cidades, 2008. p. 132-159

Stacciarini, R.; Espíndola, C. R.; Paterniani, J. E. S. Integração da gestão de recursos ambientais e ordenação territorial nos Municípios de Paulínia e Cabreúva (Estado de São Paulo, Brasil). In: Anais III Congresso de Engenharia Civil, Território e Meio Ambiente – Água, Biodiversidade e Engenharia, Zaragoza, 2006. p. 246

Stacciarini, R. Avaliação da qualidade dos recursos hídricos no Município de Paulínia, Estado de São Paulo, Brasil. Campinas-SP: Tese de Doutoramento, 2002.

Touraine, A. Crítica da Modernidade. Petrópolis-RJ: Ed. Vozes, 1994.

Vaneigem, R. Aviso a los vivos sobre la muerte que los gobierna y la oportunidad de deshacerse de ella. Madrid: Ed. Tierradenaide, 2002.