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A lógica interna da Agricultura Familiar - parte 2

Da Agricultura Familiar ao Direito Ambiental

                                                      foto: http://mundoorgnico.blogspot.com


Parte 2 – O direito ambiental e a insegurança jurídica

Um jurista consagrado, de carreira e ex-ministro da fazenda afirmou no Jornal Folha de São Paulo de 26 de Junho de 2011 que se a agricultura brasileira não conseguir sustentar a impressionante trajetória das últimas décadas, será devido à incapacidade de resolver com inteligência o desafio do meio ambiente.
Diz ainda “essa mesma desproporção entre esforços de preservação e resultados precários, geralmente revertidos logo depois, caracteriza o panorama de desolação em todas as regiões e em todos os biomas: mata atlântica, caatinga, Amazônia, cerrado, árvores de Carajás convertidas em carvão para o ferro-gusa.” “ O choque da devastação em Mato Grosso (Estado brasileiro) estimulada pelo projeto de lei aprovado na Câmara ( o novo Código Ambiental a substituir o Código Florestal de 1965) provocou a mobilização do Governo em verdadeira operação de guerra. O resultado foi pífio: a destruição apenas se reduziu marginalmente.”

Vejamos a história brasileira, sobre meio ambiente, desde a legislação da época colonial (alguns pontos para entender se o processo político (a parecer primitivo), está atualizando ou desatualizando, com está absurda proposta, votada pelos deputados, de reforma do código florestal):
Em CARVALHO (2001):
- Carta Régia de 27 de abril de 1442 que previa a possibilidade de incêndios em florestas e Ordenação de Afonso IV de 1393 que proibia o corte de árvores – legislações que cobriam diferentes aspectos da vida social e ênfase em recursos naturais. Sobre as florestas:
O que cortar árvores de fructo, em qualquer parte que istiver, pagará a estimação della ao seu dono em tresdobro. E se o dano assi fizer nas árvores for valia de quatro mil reis, será açoutado e degradado 4 annos para a Africa. E se for valia de 30 cruzados, e dahi para cima, será degradado para sempre do Brasil.”

Sobre as queimadas:
As queimadas foram encaradas com extremo rigor. E, com astúcia, ao proibir o aproveitamento dos restos de uma queimada, desestimula-se os queimadores. Defendemos que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja, ponha fogo em parte alguma; e pondo-se fogo em algum lugar, de que se possa seguir dano, acudam e façam a elas acudir como muita diligência, para prestes se haverem se apagar, fazendo para isso os constrangimentos, que lhes necessários parecerem. ”

E porque alguns, por caçarem nas queimadas, ou fazem carvão, ou pastarem com seus gados, põem escondidamente fogos nas matas,para se poderem aproveitar das queimadas e porque não se sabe quem o fez,não são castigados; mandamos, que possa alguma, não cace queimada, do dia que se foi posto o fogo, de que se seguio algum dano, a trinta dias, nem entre nela a pastar com seu gado até a Pachoa florida, e carvoeiro algum não faça nela carvão, até dous annos.”

Sobre os Recursos Hídricos:
“ E pessoa alguma, não lance nos rios e lagos,em qualquer tempo do anno, trovisco (planta venenosa), barbasco (planta alcalóide), cal, cocca, nem outro algum material com que se o peixe mata e quem o fizer, sendo fidalgo ou scudeiro ou dahi para cima pela primeira vez que seja degradado por hum anno para a Africa e pague três mil reis (...). E sendo de menor qualidade, seja publicamente açoutado com baraço e pregão oque assim havemos por bem se não mate a criação do peixe, nem se corrompa às águas dos rios e lagos, em que o gado bebe.”

O tempo passou. Chega-se ao Direito Ambiental. Tido como um ramo dos Novos Direitos nesse século XXI.
É mister portanto situar a questão do direito ambiental, do ponto de vista teórico, num núcleo de questionamentos que envolvem:
1) as relações interpessoais (e não somente entre pessoas, como também entre classe sociais);
2) as relações entre a sociedade e o aparelho estatal;
3) as relações entre as nações e;
4) as relações entre nações, enquanto sistemas político-ideológicos e econômicos distintos. Tais fatores confluem para darem as características do Direito Ambiental.

No texto de Carvalho (2001), mais adiante, questiona-se;
“Mas não terá sido esta a própria essência da evolução da ciência jurídica? Eis o que ensina Von Lhering no seu ensaio: “Sempre que o direito existe esteja escudado pelo interesse,o direito novo terá de travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos, e cuja intensidade se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado sob a forma de direitos adquiridos. Sempre que isto aconteça, cada uma das facções que se defrontam ostentam em seus estandartes a divisa da majestade do direito. Um invoca o direito histórico, o direito passado,outrao direito sempre em formação e constantemente rejuvenescido,o direito inato da humanidade à renovação incessante.”

Para se entender o Direito Ambiental se deve fundamentar as definições distintas de direitos coletivos e direitos difusos. E é sabido que o Direito Ambiental é imperiosamente um direito de antecipação. Seu objetivo primacial é prevenir o dano, antes que corrigi-lo.
E o conceito especial, dos princípios éticos. Igualmente discutir a questão relativa ao direito e uso da propriedade, que atinge tanto o meio rural como urbano. Nesse ponto se coloca a questão axiológica do Direito Ambiental. Ele questiona os valores de uma sociedade que elegeu o lucro como razão tutelar de ser. Faz-se oportuno o Direito Ambiental ser tratado como tutelar de um novo juízo de valor.
Carvalho (2001) discorda de respeitáveis entendimentos sobre a autonomia do Direito Ambiental. Alega que o maior desafio que se coloca à aceitação do Direito Ambiental como disciplina autônoma está em alguns pontos:
- É um direito de caráter horizontal;
- Faltam-lhe princípios jurídicos e métodos próprios;
- É um direito disperso nas várias regulamentações.
Defende que não há pois possibilidade de normas estanques , no sentido de que uma formulação no campo civil ou penal, por exemplo, deixe de fazer sentir, ainda que indiretamente,sua influência em outras áreas da vida social, que não somente aquela específica para a qual originariamente foi elaborada. E se isto é verdadeiro em relação aos chamados direitos tradicionais do Direito, por que haveria de ser diferente para o Direito Ambiental?

Voltamos assim, à polêmica reforma do Código Florestal (2010-2011), onde as críticas vieram das próprias comunidades científicas – alertando para a insensatez da proposta de reforma, indo aos próprios segmentos de legalidade, alertando sobre insegurança jurídica e vários pontos que serão retrocedidos na histórica conquista de evolução ambiental brasileira.

As respostas no campo foram imediatas, em aumentos expressivos do já expressivo processo de desflorestamento, às guerras dilaceradas em primitivos conflitos com perdas civis.
Ora, como fica assim o Direito Ambiental? É uma disciplina com autonomia? O novo Código votado pelos deputados emerge a desqualificação jurídica do uso de áreas de vegetação demarcadas para proteger os recursos naturais? E a opinião da ciência? E o alinhamento com os novos conceitos de mudanças climáticas e Sustentabilidade?

São questões que podem desqualificar ainda mais, como o próprio processo científico, a exemplo, “do como se relacionar as ciências ambientais com as jurídicas”. Representa perda formal da lógica ambiental histórica. Outra complexa questão: “É capaz de absorvê-las em uma ideologia comum em favor dos direitos difusos e coletivos, construindo um novo juízo de valor balizado na ética?”

As respostas a estas e outras questões suscitam, muito provavelmente expondo a legitimidade da ciência ao retrocesso ditatorial da 'tutela' patronal e irrestrita do lucro pelo lucro.
Será que terá razão aqueles que (virão) 'afirmarem' que o Direito Ambiental não é mais que um direito de reagrupamento?

Considerações Finais

Voltemos à Agricultura Familiar. Este segmento agrícola é uma estrutura indissolúvel porque está referendada na existência de pessoas e grupos que se realinham com a função social e ecológica da terra, renovando-se continuamente, ao refutar os preceitos de uma agricultura patronal – não porque não o querem, mas porque possuem uma lógica interna, psicológica até.

Sabem os agricultores familiares da importância da água, do solo orgânico, da simbiose entre a vegetação natural e as suas culturas, fauna, flora e formas de vida. A lógica interna da agricultura familiar – ou de propriedades até quatro módulos fiscais – subsiste num juízo de valor mais amplo, propriamente humano. Estes agricultores precisam de referências técnicas, investimentos, escoar seus produtos, mas são sabedores da importância do solo e da água, assim como da vegetação nessa cadeia ecossitêmica.

Vale destacar - ainda mais, que a proposta de reforma do Código Florestal já é um tema que se antagoniza aos preceitos da ciência, valendo discussões para explicar tal improcedência reversa às comunidades de ensino e pesquisa. Ou será que os juízos de valores, em se tratando de direitos difusos e coletivos, não são a maior prioridade das distintas sociedades?

A lógica interna da Agricultura Familiar sobreviverá.
Ao resto das questões vale uma reflexão mais lógica.

Citações

BERGAMASCO, S. M. P. P., Sistemas Agroalimentares: análises e perspectivas para a América Latina. Campinas-SP: Ed. Unicamp, 2003.

CARVALHO, Carlos Gomes. Introdução do direito ambiental. São Paulo – SP: Ed. Letras e Letras, www.letraseletras.com.br, 2001.

DENARDI, Reni Agricultura Familiar e Políticas Públicas: alguns dilemas e desafios para o desenvolvimento rural sustentável.

A realidade dos assentamentos por detrás dos números
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141997000300003&script=sci_arttext


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