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A lógica interna da Agricultura Familiar - parte 1

Da Agricultura Familiar ao Direito Ambiental

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Parte 1 – A agricultura familiar

É de uma aula da Profª. Dra. Sônia Maria Pereira Pessoa Bergamasco a frase: “A agricultura familiar possui uma lógica interna”; ao sentido de explicar sobre a existência deste segmento agrícola, temporal e sustentavelmente. A Professora e doutora, autora do livro ‘Sistemas Agroalimentares: análises e perspectivas para a América Latina’ é uma autoridade em agricultura de pequenas propriedades e comportamentos de assentamentos rurais. Nas suas aulas entende-se a história da agricultura desde os fundamentos do campesinato e suas formas de expressão, aos atuais novos modelos de organização agrícola em formatos não patronais. Esta é a referência para esta postagem.

A agricultura familiar é um modelo de organização diferente da agricultura patronal, justamente por não diferenciar trabalho e gestão. As relações desenvolvidas na agricultura familiar englobam elementos sólidos da relação entre o trabalho agrícola e sua gestão – como a característica de envolver personagens das famílias e valores éticos e histórico-culturais, ao solo e espaço agrícola. Possivelmente apenas um nuance nas explicações categóricas da professora Dra. Bergamasco.

De acordo com Embrapa (2004), a chamada agricultura familiar constituída por pequenos e médios produtores representa a imensa maioria de produtores rurais no Brasil. O segmento detém 20% das terras e responde por 30% da produção global.Em geral, são agricultores que diversificam os produtos cultivados para diluir custos, aumentar a renda e aproveitar as oportunidades de oferta ambiental e disponibilidade de mão-de-obra.
O Censo agropecuário (2006) registra que 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira são produzidos por agricultores familiares. No Brasil, a agricultura familiar é responsável pela produção de 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e, na pecuária, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves e 30% dos bovinos. Sendo que 84,4% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares. São aproximadamente 4,4 milhões de unidades produtivas, sendo que a metade delas está na Região Nordeste.
Este segmento tem um papel crucial na economia das pequenas cidades - 4.928 municípios têm menos de 50 mil habitantes e destes, mais de quatro mil têm menos de 20 mil habitantes. Estes produtores e seus familiares são responsáveis por inúmeros empregos no comércio e nos serviços prestados nas pequenas cidades. A melhoria de renda deste segmento por meio de sua maior inserção no mercado tem impacto importante no interior do país e por consequuência nas grandes metrópoles.

É em torno da agricultura familiar que, nos países capitalistas centrais, organizou-se o desenvolvimento agrícola. Mesmo num país marcado pela força do latifúndio e pelo peso social de milhões de estabelecimentos que, de fato, são pequenos sob o ângulo de sua participação na oferta agrícola, há um segmento importante de agricultores familiares cuja expressão econômica é muito significativa e em alguns casos até majoritária.

Alguns pressupostos formam o que no paradigma da sociologia chama-se "tipo ideal" que serve para estabelecer uma síntese do comportamento da agricultura familiar:
- A gestão é feita pelos proprietários.
- O trabalho é fundamentalmente familiar
- O capital pertence à família
- O patrimônio e os ativos são objetos de transferência intergeracional no interior da família.
- Os membros da família vivem na unidade produtiva

O desafio maior é organizar seu sistema de produção a partir das tecnologias disponíveis com o objetivo de ganhar escala e buscar nichos de mercado, agregar valor à produção e encontrar novas alternativas para o uso da terra como, por exemplo, o turismo rural, garantindo também durabilidade dos recursos naturais e na qualidade de vida da família e o fortalecimento da agricultura
Justamente a lógica interna da agricultura familiar é que a torna um formato sustentável, todavia nas interações com os recursos naturais, com a disponibilidade hídrica e com a preservação e equilíbrio entre produtividade e vegetação.

Isto, pois, para justificar que não é a agricultura familiar a interessada direta em mudanças em um dos maiores instrumentos legais que protege a vegetação brasileira – o Código Florestal de 1965.
As formas de uso do solo pela característica familiar é tão remota quanto o próprio Código Florestal (muito além) – oportunamente criticado e então, passível de mudanças, por estar obsoleto. Estará também a agricultura familiar assim? A resposta clara é não, até porque esta agricultura é a maior mantenedora (como modelo agrícola possível) do uso sustentável dos recursos naturais. A família integrada ao processo de gestão na agricultura torna, naturalmente, o processo de sustentabilidade próximo da realidade do futuro (desejável).
Faz-se assim esclarecer que o paradoxo de anistiar desmatadores (pela nova proposta aprovada na Câmara de Deputados; fazendo legal as produções em áreas de Reserva Legal e APPs) e desregulamentar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) é senão uma proposta oriunda da agricultura patronal, não da agricultura familiar.

Dar instabilidade a existência das florestas, assim como atingir as cidades, com insegurança para gerenciar áreas de riscos em encostas e morros – o que está nesta proposta de reforma do Código Florestal é originário dos segmentos mais primitivos do setor (em sentido amplo). Entenda-se ‘primitivo’ como os segmentos (personagens) que não estão alinhados às ocorrências do presente, como as mudanças climáticas e o paradigma da Sustentabilidade. Expondo assim a própria cadeia agrícola a intempéries e efeitos de incertezas; como por exemplo sobre a disponibilidade hídrica.

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